Consta que, por volta de 400 aC, uma grande peste se espalhou pela cidade grega de Delos. Ela foi tão intensa, que estima-se que um quarto da população local tenha morrido. Preocupados com a saúde da população, os governantes resolveram consultar a única pessoa que poderia saber a causa da peste: o Oráculo de Delphi.
No Oráculo, as perguntas eram feitas para a sacerdotisa de Apolo, que entrava em contato diretamente com o Deus para solicitar a resposta. Diz-se que o Oráculo era construído sobre uma fenda que exalava gases alucinógenos, e isso ajudava no contato com o divino.
A sacerdotisa disse que a peste era causada pelo descontentamento de Apolo, e o único jeito de deixá-lo alegrinho novamente era com uma oferenda: eles deveriam duplicar o altar de Apolo, que era um grande cubo de mármore.
Os governantes então mediram as dimensões do cubo, duplicaram as arestas e fizeram o novo altar. Porém, mesmo seguindo à risca a orientação, a oferenda não funcionou, e a peste continuou matando todo mundo! Revoltados, eles foram tirar satisfação com o Oráculo: como assim a gente segue sua recomendação e não dá certo?
O Oráculo, que de bobo não tinha nada, explicou o que aconteceu: quando eles duplicaram cada aresta, o volume do altar cresceu oito vezes! Na verdade, o que eles deveriam ter feito era duplicado o volume, e não a aresta.
Isso deixou os matemáticos da época perplexos. Para duplicar o volume do cubo mantendo as proporções, a aresta precisa ser maior que a original por um fator igual à raiz cúbica de dois. Agora, se o Apolo é tão chato a ponto de não aceitar duplicar a aresta, ele também não iria aceitar uma aproximação como 1,26. Teria que ser o valor exato.
Mas como construir o valor exato usando as ferramentas disponíveis na época, ou seja, régua e compasso? Esse foi um dos grandes problemas da antiguidade, e a resposta correta só foi aparecer quase 2200 anos depois: na verdade, é impossível construir esse número só com régua e compasso.
Mas não pense que os gregos desistiram! Quando viram que esse caminho da régua e compasso não estava dando frutos, resolveram apelar para outros métodos. O mais impressionante deles foi criado por Arquitas, um general grego que era amigo pessoal de Platão.
O raciocínio de Arquitas foi o seguinte: régua e compasso são ferramentas para resolver problemas no plano; como nosso problema é espacial, provavelmente precisamos de ferramentas que operem no espaço. Arquitas tinha uma visão espacial assombrosa, e conseguiu construir a raiz cúbica de dois usando a intersecção de três sólidos.
Para entender a solução de Arquitas, vamos precisar de computação gráfica e geometria analítica. O primeiro passo é construir o segmento com o lado do cubo (digamos que o comprimento seja a). Centrados em um dos vértices do segmento, nós desenhamos três círculos perpendiculares de raio a, paralelos a cada um dos eixos coordenados:
Nós vamos usar cada um dos círculos para construir um sólido diferente. Primeiro, pelo círculo perpendicular ao Ox nós traçamos um cone que parte da origem:
A equação desse cone é a abaixo (se não é óbvio pra você que isso é a equação do cone, eu coloquei no final do post um quadro azul com as demonstrações).
O próximo sólido é um cilindro, construído estendendo o círculo perpendicular ao eixo Oz:
A equação desse cilindro é a abaixo:
Por fim, nós pegamos o círculo restante e o rotacionamos em torno do eixo Oz, criando um toróide:
A equação desse toróide é a abaixo:
O insight do Arquitas é que essas três superfícies se encontram exatamente no ponto que queríamos!
Vamos verificar que isso é verdade, usando as equações das superfícies:
Tal como queríamos! A parte impressionante disso é pensar que o Arquitas concebeu essa solução sem usar computação gráfica e sem saber geometria analítica. Na verdade, ele nem sabia escrever equações: mesmo uma coisa simples como o sinal de igual só foi inventado 1900 anos depois!
Se você quiser renderizar em casa a solução do Arquitas, pode usar os meus scripts de povray abaixo (para renderizar equações implícitas é só usar o comando isosurface):
Scripts povray com a solução do Arquitas
Por fim, o quadro azul para quem não sabe como derivar as equações implícitas. Enjoy!
Cone
O cone é formado por um contínuo de círculos no plano yz. Portanto, a equação de cada círculo deve ser da forma:
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_uYl8qeq0zyKps9imrflfvTTRxx7x-i02RcYYCYYDs4IvIxMWs9PClGsRlrp2cFNVfNrjaTTJ7VE9JPih-LLgVp9RaWTP1yA5UgSYPiwwlV-RYox-_Mp_YImkUt_Djt9wiC4pxt1Zr-nf5LZhO7ZqaRXxD4tDQgFAoLcg_Umzmxw5TrHkg=s0-d)
Mas o círculo em x=0 tem raio 0, e em x=a tem raio a. Logo o raio é igual a x.
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_sgD8vwfhd9M1xpNL8Ao3EG-9TsBhPTK9Rzh3bD0W6oakcre9riNBVuK-7nEQd7QRnrRb42C1_J-euOz-3zx1RWnZkWASkQBTg8IU9OjuCUZask3X-RRG9LiqhnwFiKh14hfj4TS3RoDSDRYP5nuDQb7ceJGEajoO4sp_3fKbuQaJD4FJqJxryEHOCBHB1E50Bz2yxK100=s0-d)
Cilindro
O cilindro é um contínuo de círculos no plano xy, todos com o mesmo raio a, e centrados no ponto (a,0,0). O z nesse caso é qualquer, então a equação é:
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_sKVN4MiCYYCJyQmJHX98HGFQFopPXCBIwzR9VYsAzAWOjVcDWoWjVptZCxHvq-ENtk2rmO2B8FwNQDTQ2NNmqhfyy22Bs3af7ExFa8p_2UZk3G4pT3FreXFcaCCmBwbvumX2D_5lK_sVDSNPneCcJ-nKKQIECDatJRMcUdcZoYA4b38mkpaus=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_ublWcsICfOeJq1AXKbGQ37u8_Tt71tMmliBG33orFtEgSVQyX-DbvQlLb40FMXvce1jTvt05Hq5PhvsR1R47MnAeu0-u0p4QyGVVGZV_8iHYBGHd-NiAo1OQenuXvJ6jcxS97PiZRT-P-XvIReCDzu20U6uMw4wKP48HzOXNrx0uMmXoVzPa4QIflh1dER13q3wuLzIodvbM1tkCLXuHldYap8kAMAYt0mtmv_ANxw-6Mn=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_u_vLrgDBbe_XfUfeUS8kAuCFv48RwYPH909c7LSy6Vn87HdPXKCJYtsNFvdvoLRAT2ebxZPeO4Xf9xxMzDhDkH6US70vUYLDIff8s4t_DQyDW-_eD4Y_pDlBGJHmifk7aK4q6r2KnCPqZRFy9LXIsZ9eWnZ6nmI4V1x5IoXyMTAfGdCDo7Lc2P5pLmENajQ8kZf-KithYuhOLa1GCrBl9_9uk0B-ale5-y-mjzcZd2=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_tj2IBDC7NDpWmJtbxuT8vrMpAijDowpabdD1dwgJEH2zFDHnFrl4_62HGi1tFri5YjF0oxSwuXpePE2Hca-l9xtHVge6pwNinWYPDiwTIJeYAgYPQmN2eowk4MMlnAKujc_ytals2I5sqy8xdgHpL3JNeRriPxXnnk1aC8XyrdYfMLJeGJBf8k90Fc2CunLGgJvVxz-KGKIZ_7Y0OfRRw96BSRsUc00zRlWV6t40BYjdBrD4h92o-NCnhYlcUa5D--K_8oJeSblIHAyHtoRToq91zyR6mqnJTRV6xUrx4kOA=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_vCWDQZGQ_AwonAZPj9HqevKQro3iLLyeQvbAPCx_3PwdFeBRm5L3DQypkOkxkrwy6bTP6syJ8DqkIVTRt8n-VauVSliMqWshuPCwGZdFPfRC1tNL-YJgiqS7aQIIDiJMCuWf-DJldDoflWCjxWR6d8boDkSt8F5V9dwVpeFjBu0qjHc8eOWWze93QehYAnJkAl0qlR0S4=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_taLiuFbppp8fnQJWqGWe28zRIzAIj_o0IKJfhPl5oYk8BtGCP9dca54jYJKy7sB1XYQIXSf9phQf_cDKljtAOl3sDigPZ4VuFInW2wnqWYxdHloFKZMdl8izo67xO3q-MjP0gFi3IFpVLWKvJ_KAg4Tcyn_oDzDSWlIZBMoOWQldoihFKr6IuPnX_DcSVmMQyIWxY=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_tTZYgtnUlfQM1ycwvx5BDaByDKmkPOBThNOA6RIhcx46uM2Pib4UjwgMlX1SZCHsvEzqUe_riFFSaDapWwWRg5aTbwcKCznTLftAwiLc5eE8ydQXgClOmXVeFpDq2RFcZDXiE0NWVxOTSws5cwGuN-ME7htQXJhbSTWHa2Z8ZdonEL=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_sJ2jWVg4MJ7wtzyFuv_f9eBOvE4mjRmQaif0wW9MCDPj2ohF_J6ZvLvHUJJCPyoK6ihhCDtXCw--ZeQ0Xx0-8mV9gPlcnM1q_HWIRVjCRylZqFETq6z1BHWvAF9-iIF3a_lcBNip8MdtvYtQDerLvBTRVFz3pOhwbZdXEM4zEHSflSgpTc29tw3hfV0rKwsSbhJaQQeLqDNz5Fre60GHvvWtYbg6wpUyptbECLOCEHcdg3GGak1eJITySxTBeB6fP2m-xAB4i4SppzTTPsg1k6okMmkAVpjGPhGb0x8EX8LZODmoFGVKO5=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_s-V24vqGDVCE7yOoRICEA2cF-2PvzDwXKo1Y9H8HV-zNCBRFtf5wSrNTL1aC-LN8EVTGxNAlnxP_chqrjhrkZYZxTLqMTTJdaR-6wQo_iU--XbZpA1ErYjIHVTdI1QD4jM7Xwp0h_eHxt_mZWakCcnWRmiSWWpkOAc2PWLP_Zs7vGpnWc9teNmNZGJWFX50tcGZA9xGxYE4D9nweb74QB-kStsoNvVQ_cRsnUkMQoIQS6s9WAt02DuoNny4R3ZvVAO=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_uvOpjxb3mat8GyROIC2p0Vw9BDRCWVsnrPmGTZTM-w3bvDDhhYDQbyTw4BpUavNUCUj5EuOQ046LQaT6HsS11tUflDid94sqbaAy5FMy4t4jwBUlSRzc-4r6yWpXnauY6cTxf1DZlhVOk_dVajCMxC_nMTe-loYgAJ_nR1uEGrctBT9PJnkzKrOBT1z2vdB79q6VEl819LuCrCfFAAeczrpaFRGJhayucDj_zaeccYlLGuckC7vTiopFKQ6sz00D3oGnMRymJ-q48R6MBwPEaFUfHOI9z3C2ukjSc=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_sUbfo85QDsL9wRnZMP2R3IEGL4nkXvt_30q0mApDpg2nr5kdu5uE6phYPRSO3Lnb77wa5gkcQyI_nxOiqLGmxVlEleADWBlWHuraLgj3pNcqlKjguqOCOPcfm0Q9-HxgnsG6W6qTRifC7_IjHQWTX887jpR4xIzuVsuAMW38A9sx3KxzsdzGYG-JqR6S4ekktL0DqfCIyHvM8ZdqPSbKQeSkFV0-jhhyPTSPm3_9YmwL43kTdZxOYIOnRrpMbE1rcZO99gt3rpHWhosQ=s0-d)
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_utmci5U6a1LVZ0kbYnXfQ-IJjEcbtr7QFl1yU6xXU14ETvzspMgOGTHSoJVaoJL9Chx7RVNJg4hJo_2sLRwAZPsru3U03NAw9_2B8659sKFaoh67mclA7r482KF7umZ7MMI1wGdrwTBtuMMDy8I17RaRghQctBOYDp0XEYOQM4O_eLShA4IvUMYmKK7F7S6_Iib5axc3SD0jqHed3OFoKkO7_sZUhFYNqzg0ZvGEwtO2i3OV81JjJ1Hs0ndckmcHgEbN1iEw=s0-d)
O cone é formado por um contínuo de círculos no plano yz. Portanto, a equação de cada círculo deve ser da forma:
Mas o círculo em x=0 tem raio 0, e em x=a tem raio a. Logo o raio é igual a x.
Cilindro
O cilindro é um contínuo de círculos no plano xy, todos com o mesmo raio a, e centrados no ponto (a,0,0). O z nesse caso é qualquer, então a equação é:
Toróide
Eu não achei jeito fácil de derivar o toróide, então vai o difícil mesmo. Vamos construir a superfície como a soma de dois vetores, um que gira no plano xy, e um que gira nos planos perpendiculares a esse. A equação paramétrica do círculo base do toróide (visto de cima), é:
Cada ponto desse círculo é o centro de um outro círculo, no plano perpendicular formado pelo y e por esse mesmo vetor que aponta pro centro. Daí, a equação desse segundo círculo é:
A equação paramétrica final é a soma dos dois vetores. Já separando em coordenadas:
Agora nós elevamos ao quadrado e somamos x e y:
Podemos elevar z ao quadrado e somar com o anterior:
Opa, agora é só elevar ao quadrado de novo e substituir:
QED. Se alguém souber de algum jeito mais fácil, me ensine :)