sábado, 4 de julho de 2009

A cidade da ciência

Leitores atentos devem ter notado que o intervalo entre os dois últimos posts foi maior que o normal. Mas foi por um bom motivo: eu estava casando! Foi uma correria; entre cartórios, mudança e lua de mel, nem eu tive tempo de escrever, e nem minha esposa de desenhar as ilustrações. Mas valeu a pena, é claro :)


Para começar a lua de mel, nenhuma cidade poderia ser tão apropriada como Paris. Para o casal, Paris é a cidade dos amantes. Para a minha esposa, Paris é a cidade dos artistas. Mas para mim, Paris é especial por ser a cidade da ciência.

De fato, desde a revolução francesa, os parisienses se orgulham em manter os ideais do Iluminismo (sendo essa uma das possíveis origens de um famoso epíteto de Paris: a cidade-luz). O laicismo é presente logo no primeiro item da constituição francesa, e a cultura científica permeia a cidade até nos nomes das ruas (você pode morar na esquina da Rua Kepler com a Rua Galileu, pertinho da Rua Newton e da Rua Euler). E isso sem contar que a cidade possui um enorme museu de ciências, o Citè des Sciences et de l'Industrie.

Mas o principal motivo mesmo para eu considerar Paris como a cidade da ciência data de 1889, ano em que foi terminado o maior monumento à ciência já construído: a Torre Eiffel!


A Torre Eiffel foi construída para a Exposição Universal que comemorava o centenário da Revolução Francesa, e ela era uma celebração ao triunfo da tecnologia: em sua época, era o mais alto monumento criado pelo homem; e permaneceu assim por 40 anos, até ser desbancada pelo Chrysler Building.

A torre também era o estado da arte da engenharia do século XIX. O seu criador, Gustave Eiffel, usou em seu projeto métodos geométricos para minimizar o efeito do vento, e só recentemente conseguiram resolver de forma analítica a equação que define a curva de seu perfil, uma exponencial. A solução geométrica de Eiffel era tão precisa, que mesmo sob ventos fortes, o topo da torre desloca apenas 13cm (como comparação, é menos do que o topo desloca por dilatação: se o sol bate de um lado da torre enquanto o outro está na sombra, a torre desloca 18cm).

Mas das homenagens à ciência na torre, a minha preferida é uma mais sutil, que muitos daqueles que a visitam passam sem perceber. Logo abaixo do primeiro andar, estão gravados em relevo os nomes de 72 cientistas franceses:

Poinsot, Foucault, Delaunay

Na primeira vez que vi, reconheci de imediato vários nomes, como Lavoisier, Ampère, Laplace. Mas muitos outros eu não identifiquei, e resolvi matar a curiosidade online. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que alguns eram tão obscuros que nem a wikipedia os conhecia!

Sendo assim, resolvi arregaçar as mangas e procurar quem eram os 72 cientistas homenageados pelo Eiffel. Abaixo, a lista completa de cientistas e alguns de seus feitos, separados pelo lado da torre em que aparecem:

Lado do Trocadero

Seguin: Inventor da ponte pênsil moderna.
Lalande: Astrônomo que nomeou a constelação do Gato.
Tresca: Criou a primeira barra de platina que serviu de referência de comprimento do sistema métrico.
Poncelet: Co-autor do teorema de Poncelet-Steiner da geometria.
Bresse: Pioneiro dos motores hidráulicos.
Lagrange: Responsável pelo Lagrangiano da física, pelos Pontos Lagragianos da astronomia e pelos polinômios de Lagrange da álgebra.
Bélanger: Criador da equação de Bélanger para o ressalto hidráulico.
Cuvier: Paleontólogo, foi o primeiro a provar que elefantes indianos, africanos e mamutes são espécies diferentes.
Laplace: Criador das transformadas de Laplace usadas no cálculo de transientes elétricos.
Dulong: Co-autor da lei de Dulong-Petit da termodinâmica.
Chasles: Autor dos teoremas de Chasles em geometria e física.
Lavoisier: Autor da lei da conservação da massa.
Ampère: Autor da lei de Ampère do eletromagnetismo.
Chevreul: Inventor da margarina, afinal, culinária é química aplicada.
Flachat: Engenheiro responsável pelo terminal de Gare Saint-Lazare, em Paris.
Navier: Co-autor das equações de Navier-Stokes da mecânica dos fluidos.
Legendre: Criador do símbolo de Legendre usado na teoria dos números.
Chaptal: Criador da chaptalização, técnica para aumentar o teor alcóolico do vinho.

Lado da ponte de Grenelle

Jamin: Criador do interferômetro de Jamin usado na análise de gases.
Gay-Lussac: Autor das leis de Gay-Lussac da termodinâmica.
Fizeau: Criou o primeiro aparato capaz de medir a velocidade da luz.
Schneider: Construiu a primeira locomotiva a vapor da França.
Le Chatelier: Autor do princípio de Le Chatelier nas reações químicas em equilíbrio.
Berthier: Descobridor da bauxita.
Barral: Pioneiro na extração da nicotina a partir da folha de tabaco.
De Dion: Criador do primeiro hangar para dirigíveis.
Goüin: Introduziu as pontes de chapas rebitadas na França.
Jousselin: Projetista do canal do rio Loire.
Broca: Anatomista que estudou a região de Broca no cérebro humano.
Becquerel: Ganhador do Nobel como descobridor da radiatividade.
Coriolis: Descobridor do efeito Coriolis em rotações.
Cail: Engenheiro responsável pelo impressionante viaduto de Fades.
Triger: Criador do processo de Triger para cavar fundações de pontes.
Giffard: Inventor do primeiro dirigível a vapor.
Perrier: Um dos primeiros a fotografar o trânsito de Vênus.
Sturm: Conhecido pelas funções de Sturm da álgebra.

Lado do Campo de Marte

Cauchy: Co-autor da desigualdade de Cauchy-Schwarz.
Belgrand: Projetista do sistema de esgotos de Paris.
Regnault: Estudioso dos gases, em sua homenagem a constante dos gases ideais recebeu a letra R.
Fresnel: Autor da lei de Fresnel para refração de ondas.
De Prony: Autor da equação de Prony para perda de carga hidráulica.
Vicat: Inventor do cimento moderno.
Ebelmen: Descobridor do ciclo geoquímico do carbono.
Coulomb: Autor da lei de Coulomb para cargas elétricas.
Poinsot: Inventor do elipsóide de Poinsot na mecânica de corpo rígido.
Foucault: Descobridor das correntes de Foucault do eletromagnetismo.
Delaunay: Estudou o problema dos três corpos aplicado ao sistema Sol-Terra-Lua.
Morin: Modelou a força de atrito estático.
Haüy: Autor da lei de Haüy da cristalografia.
Combes: Estudioso do problema da ventilação em minas.
Thénard: Descobridor da água oxigenada.
Arago: Realizou o experimento de Arago, que comprova a natureza ondulatória da luz.
Poisson: Autor da distribuição de Poisson na estatística.
Monge: Autor do teorema de Monge da geometria.

Lado da Sacre Coeur

Petiet: Criador de locomotivas.
Daguerre: Inventor do daguerreótipo.
Wurtz: Criador da reação de Wurtz da química.
Le Verrier: Um dos descobridores do planeta Netuno.
Perdonnet: Construiu as primeiras ferrovias da França.
Delambre: Mediu o comprimento de um meridiano, definindo assim o metro.
Malus: Autor da lei de Malus na polarização da luz.
Breguet: Inventor do telégrafo de Breguet.
Polonceau: Criador da estrutura conhecida como teto de Polonceau.
Dumas: Descobriu que o rim remove uréia do sangue.
Clapeyron: Autor da equação de Clapeyron para transição de fase da matéria.
Borda: Criador do sistema de votação de Borda.
Fourier: Inventor das séries de Fourier.
Bichat: Pai da histologia, o primeiro a reconhecer que órgãos são feitos de tecidos.
Sauvage: Criou os primeiros mapas geológicos da França.
Pelouze: Primeiro a calcular a massa atômica do Arsênio.
Carnot: Autor do teorema de Carnot da geometria.
Lamé: Criador da análise por harmônicas elípticas.

A lista é bem heterogênea. Ela parte de alicerces da ciência como Lagrange e Laplace, e passa por heróis locais que devem ser uma espécie de Santos-Dumont à francesa: famosos em seu país, mas nem tanto longe dele. Por fim, há os realmente obscuros. Desse último grupo, eu notei que todos deram aula na École Polytechnique, o que indica que o Eiffel deve ter colocado esses nomes para puxar o saco fazer uma homenagem a seus professores.

Visitar a torre Eiffel é uma experiência incrível, mas não foi a melhor parte da lua de mel. Uma descrição da melhor parte da lua de mel fugiria do escopo desse blog :)